No final dos anos 1960 os videogames ainda estavam relegados aos imensos computadores que mencionei no capítulo anterior. Mas o jogo Spacewar ajudou a mudar isso.
Em meados de 1964 (ninguém lembra o ano correto), um jovem estudante de engenharia, convidado por um amigo, o pesquisador Jim Stein, invadiu o edifício Merrill da escola de engenharia da Universidade de Utah durante uma madrugada. Lá eles adentraram no laboratório de informática tendo acesso ao computador PDP-1. Nele os dois amigos jogaram “Spacewar!”. Aquele rapaz, chamado Nolan Bushnell, ficou maravilhado com o que viu. Pela primeira vez ele tinha o controle sobre o que acontecia na tela. O próprio Nolan descreve a sensação de jogar “Spacewar!” em uma entrevista: “Era a primeira vez que você tinha o controle! Pense em um mundo sem videogames e, de repente, surge um! É mágico!”.
Nolan e o amigo jogaram durante toda a madrugada e por muitas outras. Segundo Bushnell, eles eram grandes fãs de Spacewar e que nunca conseguiam jogar o suficiente. Foi nessas jogatinas que Nolan teve um estalo. E se ele colocasse aquele jogo em um gabinete com um porta-moedas? Ganharia muito dinheiro! Contudo, em 1964 isso era um pouco complicado. Spacewar rodava em um computador enorme e caro que tornava inviável qualquer retorno sobre o investimento.
Durante as férias da universidade, Nolan trabalhava em um parque chamado Lagoon, em Salt Lake City, onde depois de algum tempo foi promovido a gerente da área de arcades do parque, que aqui no Brasil chamamos de fliperamas. Naquela época, arcades resumiam-se a máquinas de jogos eletromecânicas e de pinball, não havia nada nem sequer parecido com o que chamamos de videogame. Esse trabalho deu a Nolan o know hall para entender que tipo de jogos atraiam mais pessoas e, assim, faziam mais dinheiro.
Depois de formado, Bushnell mudou-se para a Califórnia, na região que hoje é conhecida como vale do silício e conseguiu emprego em uma empresa chamada Ampex. A ideia de levar Spacewar para os arcades não saiu da cabeça dele que continuava a procurar uma maneira de tirar sua ideia do papel. Em 1969 Nolan saiu da Ampex e junto com seu colega e amigo Ted Dabney montaram a empresa Syzygy. Nolan estava dedicado 100% à Syzygy enquanto Dabney continuava trabalhando na Ampex, já que não tinha tanta certeza sobre o futuro dos jogos de computador.
Com o barateamento cada vez maior dos computadores, Bushnell teve a ideia de usar um minicomputador Data General Nova para criar sua versão de Spacewar para até quatro pessoas jogarem simultaneamente. Esse computador custava US$ 4 mil (cerca de US$ 26.800 atualmente). Bushnell achava que com 4 monitores e os porta-moedas o jogo seria comercialmente viável. Não funcionou. O computador simplesmente não tinha capacidade de processamento para rodar as funções do jogo que eles estavam programando e conseguir atualizar os monitores em uma velocidade aceitável. Percebendo isso, Nolan tomou uma decisão. Criar um hardware customizado para rodar um único jogo. Em 1970 Bushnell e Dabney trabalharam para desenvolver o hardware customizado para as funcionalidades do jogo tentando liberar ao máximo o processamento do computador Nova. No começo de 1971 eles já tinham um ponto se movendo na tela. Infelizmente descobriram que haviam calculado mal os requisitos. Mesmo com toda a customização o Nova não conseguia rodar várias instâncias do jogo ao mesmo tempo. A essa altura o jogo havia sido nomeado para Cosmic Combat.
Foi nessa época, mesmo desanimado, que Nolan percebeu que poderia substituir o computador Nova por um hardware totalmente customizado. Não seria possível o jogo entre quatro pessoas simultaneamente, mas os custos cairiam tanto que a máquina se tornaria viável comercialmente. Assim, o programa foi reduzido para um único jogador por vez, em que este lutaria contra duas naves espaciais controladas pelo computador em espaço aberto. Só que agora eles tinham outro problema. Eles não tinham o dinheiro necessário para produzir e vender o jogo.
Sem o dinheiro necessário para a produção de Cosmic Combat, Nolan e Dabney mostraram o protótipo para a Ampex que não demonstrou interesse. Mas o destino é inexorável. Em uma consulta ao dentista no começo de 1971, Bushnell comentou sobre o jogo que estava criando com seu dentista e este, por sua vez, indicou um outro paciente, Dave Ralstin, gerente de vendas da Nutting Associates em Mountain View, Califórnia, que tinha como seu maior sucesso um jogo de perguntas e respostas chamado Computer Quiz. E foi através de Ralstin que Nolan e Dabney fizeram uma apresentação para a Nutting.
A Nutting, por sua vez, sentindo que o jogo era um sucesso em potencial, já que jogos de Quiz estavam em pleno declínio, não só concordou em fabricar o jogo como contratou Nolan Bushnell como seu engenheiro-chefe. Além disso, a Syzygy Engineering manteve a propriedade do jogo. A Syzygy receberia 5% de cada gabinete vendido. Bushnell negociou para continuar trabalhando no jogo Cosmic Combat fora do horário normal de trabalho até que ele entrasse em produção, mantendo assim seu conceito separado de seu novo trabalho na Nutting e para evitar que a Nutting reivindicasse a propriedade do jogo posteriormente, devido ao pagamento pelo tempo ou por materiais gastos na construção do jogo. Dabney permaneceu na Ampex até o verão, quando se demitiu para se juntar a Bushnell na Nutting.
Depois que Dabney se juntou à Bushnell, ele ajudou na criação do gabinete, incluiu o porta-moedas, o painel de controle e a fonte de alimentação. Também projetou um sistema de som que poderia fazer um barulho parecido com um motor de foguete. Finalmente, em agosto de 1971, o protótipo do agora rebatizado Computer Space, estava pronto e a Syzygy passou para o teste de localização. O nome Computer Space foi escolhido por ser parecido com o nome do jogo de maior sucesso da Nutting, o Computer Quiz. Para o tal teste de localização eles instalaram o jogo no bar Dutch Goose, perto da Universidade de Stanford, onde, segundo o próprio Bushnell, fez um grande sucesso. A Nutting ficou animada com o resultado e apressou-se em fazer vários gabinetes para a feira Music Operators of America (MOA) Music & Amusement Machines Exposition que ocorreria em outubro de 1971. Eles fizeram outros testes de localização e encontraram uma resposta menos entusiasmada dos potenciais clientes, que ficavam confusos com a mecânica e os controles do jogo levando a Syzygy a fazer vários ajustes nas instruções do jogo para torná-lo mais compreensível para os jogadores.
O hardware de Computer Space finalizado não utiliza nenhum tipo de microprocessador. É uma máquina de estados inteiramente construída com circuitos integrados da série 7400 e com elementos gráficos monocromáticos. O monitor nada mais era que uma tela de televisão preto e branca de 15 polegadas da General Eletric. Para a feira MOA o gabinete de madeira montado por Dabney para o protótipo inicial foi substituído por um gabinete de fibra de vidro curvilíneo e futurista projetado por Bushnell.

Enquanto Computer Space era apresentado na feira, outra dupla de engenheiros trabalhava em sua versão arcade de Spacewar. Bill Pitts e Hugh Tuck apresentaram o protótipo de Galaxy Game em novembro de 1971 no prédio do sindicato estudantil de Tresidder na Universidade de Stanford que também era operado por moedas. O jogo era uma versão estendida de Spacewar, com as naves “Cunha” e “Agulha”, a estrela central e sua força gravitacional. O protótipo foi construído utilizando-se de um minicomputador PDP-11 conectado por cabos a um console de madeira com monitor, controles e assento, algo muito próximo de arcades que fariam muito sucesso nas décadas de 1980 e 1990. Pitts e Tuck investiram cerca de US$ 20 mil (cerca de US$ 129 mil atualmente) para montar essa máquina de arcade. Um segundo protótipo de Galaxy Game foi construído no mesmo local em junho de 1972. Agora podia comportar até quatro gabinetes para jogos simultâneos, mas, devido ao pouco espaço, somente dois gabinetes foram instalados. Esses consoles tinham um revestimento em fibra de vidro azul e o PDP-11 ficava alojado dentro de um desses consoles. Devido ao alto custo do projeto, que já havia consumido US$ 65 mil (mais de US$ 400 mil em valores atualizados) a dupla não conseguiu viabilizar comercialmente o jogo. Esse último protótipo continuou funcionando até seu processador de vídeo queimar em 1979, quando foi restaurado e colocado no departamento de Ciência da Computação da Universidade de Stanford em 1997. No ano 2000 foi novamente transferido para o Computer History Museum (CHM).
Computer Space, por outro lado, começou a chegar aos compradores no final de 1971, mas foi considerado um fracasso. A Nutting achava que venderia mais de 10 mil gabinetes, mas os registros indicam que vendeu pouco mais de 1500 unidades. Bushnell, em uma entrevista, disse que o jogo acabou sendo um sucesso comercial que faturando US$ 3 milhões, entretanto a Nutting tinha expectativas bem maiores. O problema é que o jogo foi considerado complicado demais para pessoas que estavam, em sua grande maioria, em um bar, bebendo e não tinham nenhum interesse em ler um manual de instruções colado ao gabinete.

De qualquer forma, Computer Space foi o primeiro jogo eletrônico a utilizar um monitor de vídeo, algo que ninguém havia feito anteriormente, e vendido comercialmente. O aparelho de Pitts e Tuck acabou restrito aos alunos de Stanford. Mesmo assim, “Computer Space” e “Galaxy Game” ainda estavam longe das salas e televisões das casas dos consumidores.
