11 de dezembro de 2025

Mattel Intellivision

Na década de 1970 a Mattel já era uma gigante com linhas de brinquedos que a tornaram uma dos maiores e mais bem-sucedidas fabricantes de brinquedos do planeta. Nada mal para uma empresa que começou fabricando porta-retratos e casa de bonecas em 1945. Mas a década de 1970 trouxe muitas mudanças, principalmente com relação a um novo “brinquedo” que vinha fazendo a cabeça das crianças: o videogame.

Mas, se era um brinquedo, porque a Mattel não estava nesse mercado?

Um dos principais motivos era o know-how. A Mattel entendia de brinquedos, mas de brinquedos, vamos dizer, normais e esses novos brinquedos eletrônicos estavam mais para um computador do que um brinquedo propriamente dito, o que não era exatamente no que a Mattel era expert. Somente em 1976, sob o selo Mattel Electronics, eles lançaram seus primeiros brinquedos eletrônicos. O primeiro foi o Auto Race, um jogo portátil totalmente eletrônico e que já flertava com o uso de um tipo simplificado de microprocessador. Esses primeiros jogos foram programados por Mark Lesser, na Rockwell Microelectronics Division e utilizavam um microprocessador criado para uso em calculadoras e que foi modificado para esse tipo de jogo eletrônico. Posteriormente esses jogos evoluíram passando a usar chips CMOS programáveis feitos pela National Semiconductor. Eram jogos simples em que as indicações do estado do jogo eram mostradas por luzes de led vermelho e o som resumia-se a bipes e suas variações, que nem eram tantas assim. Mesmo assim, esses jogos foram um sucesso e Auto Race foi seguido por uma grande variedade de jogos nesse mesmo estilo como Football e Battlestar Galactica. Esses jogos já tinham o dedo da consultoria APh Technological Consulting que a Mattel contratou para ajudá-los a desenvolver os tais “brinquedos eletrônicos”. A Mattel ganhou muito dinheiro com esses jogos e eles tem uma legião de fãs saudosistas nos Estados Unidos.

Mas pessoas dentro da Mattel achavam que era hora de dar uma passo além e em 1977 a empresa iniciou o projeto do viria ser o seu primeiro console de videogame: o Intellivision. Richard Chang, chefe do departamento de design e desenvolvimento, começou a investigar a ideia deles construírem seu próprio videogame. A Mattel começou tarde nesse mercado em que a Atari já era dominante e os videogames microprocessados com cartuchos estavam despontando. A Fairchild foi a pioneira com seu Channel F no final de 1976, seguida da RCA e da Atari que lançaram seus consoles em 1977. Entretanto, assim como haviam pessoas que queriam avançar, também haviam pessoas preocupadas com o futuro do mercado de videogames dentro da Mattel, perguntando se esse mercado atingiria seu pico em 1977 ou em 1978. De fato houve uma turbulência no mercado, só que causado pelo excesso de consoles de Pong. Os consoles baseados em cartuchos praticamente não sentiram essa turbulência que já era um indicativo do que viria a acontecer em 1983, só que isso é história para o próximo capítulo.

Como a Mattel não sabia como construir um console de videogame, mas tinha muito dinheiro para acelerar o processo, eles buscaram o know-how da consultoria APh Technological Consulting para ajudar com as definições do projeto. Eles queriam que seu videogame tivesse gráficos elaborados e uma jogabilidade duradoura para se distinguir de seus concorrentes.

A primeira solução encontrada foi um novo conjunto de chips em desenvolvimento pela National Semiconductor. Esses novos chips eram mais caros e a Mattel até chegou a negociar um valor menor, mas com um design mais simples em agosto de 1977. Só que o negócio desandou no que deveria ser a reunião de fechamento com a National. Alguns executivos da Mattel não estavam muito empolgados em concorrer com a Atari e aqueles “malucos” do Vale do Silício, enfrentando um terreno pouco conhecido por eles e a reunião, que seria de fechamento de negócio, acabou virando a reunião de adiamento do projeto Intellivision. Todo o projeto do videogame na Mattel foi suspenso. Outra situação que pode ter contribuído para essa parada no projeto do console foi que nessa época a rede Sears indicou que os jogos eletrônicos da Mattel não estavam vendendo bem e que suspenderiam os pedidos — a Mattel tinha uma linha de produção terceirizada fabricando 200 mil unidades desses joguinhos por semana — e isso acendeu a luz vermelha na cabeça dos executivos da Mattel. Entretanto algumas semanas depois o pessoal da Sears retornou dizendo que cometerá um erro e que, na realidade, eles queriam aumentar as entregas dos jogos eletrônicos de 200 mil unidades por semana para 500 mil unidades por semana.

Nesse meio tempo em que o projeto ficou parado a APh sugeriu literalmente uma solução de catálogo. A General Instruments acabará de lançar sua nova linha de circuitos integrados e seu catálogo de 1977 descrevia um sistema de videogame completo, que eles chamavam de Gimini 6900, que poderia ser inteiramente construído a partir dos chips fabricados por eles. Só que o chipset da General Instruments era limitado e não permitia gráficos em vídeo RAM, somente objetos gráficos pré-gravados em uma ROM podiam ser usados, limitando e deixando os jogos todos parecidos. Dave James, artista de design e desenvolvimento da Mattel insistiu que isso era uma “limitação debilitante”. A General Instruments estava muito motivada em trabalhar com a Mattel e disposta a fazer todas as modificações necessárias. Assim, Ray Wagner, presidente da Mattel, concordou em aguardar o retorno da General Instruments sobre seus chipsets antes de tomar uma decisão final sobre o projeto.

 A General Instruments trabalhou junto com a equipe de engenheiros da Mattel durante os dois meses seguintes ao quase cancelamento do projeto e apresentou um relatório de como seria o novo conjunto de chips necessários para o videogame, bem como um preço mais atrativo. No fim eles levaram a melhor, sendo escolhidos como fornecedores do microprocessador e demais chips necessários para o projeto da Mattel. Tudo foi revisto e em outubro de 1977 o projeto que viria a se tornar o Intellivision estava novamente na ordem do dia. Claro que a revisão das compras da Sears ajudou a melhorar o ambiente de decisão dentro da Mattel.

Empolgados em trabalhar com a Mattel a General Instruments trabalhou nas diversas mudanças no design de seus chips e em 1978 seu conjunto de chipsets foi publicado em seu catálogo. A Mattel montou uma equipe, liderados pelo engenheiro David Chandler, que ficou encarregado de projetar o hardware. Inclusive, foi essa equipe que projetou os famosos, e controversos, controles do Intellivision, com um disco que permitia 16 posições diferentes em vez de um joystick ou paddles como os concorrentes. Uma equipe da APh, liderados por David Rolfe, desenvolveu o software que controla o Intellivision, como um sistema operacional, sendo o primeiro videogame a utilizar esse recurso. Esse software chamava-se EXEC, de “Executive Controller”, e tinha a função de facilitar a vida dos programadores de jogos que não precisariam se preocupar em escrever rotinas e mais rotinas para controles básicos do hardware como acontecia no Atari VCS, por exemplo. A APh também contratou um grupo de alunos da Caltech, que estavam nas férias de verão, para programar os primeiros jogos do Intellivision. Os gráficos dos jogos foram projetados por um grupo de artistas da Mattel comandados pelo designer Dave James.

Um fato curioso aconteceu no meio do desenvolvimento do Intellivision. A Texas Instruments abordou a Mattel no outono de 1978 oferecendo seu conjunto de chipsets. Segundo documentos da época, o chipset da Texas Intruments era “aproximadamente” equivalente aos da General Instruments. A Texas pressionou bastante, inclusive com preços bem abaixo do chipset da General Instruments, fazendo com que sua proposta fosse seriamente considerada. Por fim, a Mattel rejeitou a proposta já que, mesmo equivalentes, a troca do chipset envolveria a reengenharia completa do console, praticamente pronto, gerando um atraso de seis a nove meses no projeto. A rejeição da Texas Instruments foi comemorada pelo pessoal da APh Consulting que pressionará pela recusa pois considerava esse chipset “inferior”.

Assim como muitos projetos da época, o Intellivision foi pensado para ser mais que um videogame. Eles resolveram lançar o aparelho como parte de um computador modular, onde o console era chamado de Master Component e o teclado, que seria vendido separadamente, o Keyboard Component, que além de seu uso óbvio, também aumentaria a memória RAM em 16KB, teria um drive de fita cassete e adicionaria mais um processador MOS 6502 de 8 bits.

A Mattel apresentou o seu novo console de videogame na CES de janeiro de 1979, em Las Vegas como um computador pessoal para uso doméstico. Na feira, a Mattel também divulgou o preço de US$ 165 para seu console. Um preço razoável para o primeiro console a usar um processador de 16 bits, algo que foi pouco explorado por eles na época, mas que 10 anos depois seria motivo de uma das maiores batalhas entre duas gigantes dos videogames, que nem sequer estavam na briga nessa segunda geração de consoles: Nintendo e Sega.

Ainda em 1979, a Mattel lançou o Intellivision no mês de dezembro, somente em Fresno, Califórnia, juntamente com 4 cartuchos, para testar o mercado. Foi um sucesso e todas as unidades foram vendidas, mesmo com seu preço sendo bem diferente do anunciado na CES: US$ 275. No início de 1980 o Intellivision estava disponível em todo os Estados Unidos. Seguindo o exemplo da Atari, a Mattel licenciou o Intellivision para diversas marcas como a Sears Tele-Games Super Video Arcade, Radio Shack Tandyvision One e o GTE Intellivision da Sylvania. As diferenças entre esses consoles era somente estética. Internamente eram exatamente iguais.

Mattel Intellivision. Foto Evan Amos. Reprodução Autorizada.

A partir de seu lançamento as vendas do Intellivision foram crescendo, com o marketing da Mattel sempre batendo forte na Atari, dizendo que o Intellivision era muito superior ao seu concorrente e prometendo o Keyboard Component, já com data de lançamento para meados de 1981. Aliás, a possibilidade de transformar o Intellivision em um computador atraiu muitos consumidores. O número de jogos lançados crescia com mais lentidão já que seu desenvolvimento estava sob total responsabilidade da APh. No natal de 1980, 19 jogos estavam disponíveis. Entretanto o mesmo movimento que ocorrerá na Atari começou a ocorrer na APh. Programadores em busca de créditos pelo seu trabalho começaram a sair da empresa onde alguns ajudaram a criar a Imagic junto com dissidentes da Atari e outros foram trabalhar na recém criada Activision.

Modelo do Intellivision exclusivo para venda pela rede de lojas Sears com o selo Tele-Games. Foto Evan Amos. Reprodução Autorizada.

Com a ótima resposta dos consumidores e vendo a velocidade que a Atari colocava jogos no mercado, a Mattel resolveu criar sua própria equipe de desenvolvimento em 1980. Cinco programadores foram inicialmente contratados: Mike Minkoff, Rick Levine, John Sohl, Don Daglow e o gerente Gabriel Baum. Durante o ano de 1981 a Mattel acelerou o processo de contratação de programadores. No final de 1981, a divisão Mattel Eletronics virou oficialmente uma filial da Mattel e mudou-se para um novo prédio para comportar a crescente equipe.

Só que em um mercado tão aquecido em que os programadores eram disputados a tapa pela Mattel, Atari e as novas softwares houses, a Mattel resolveu proteger ao máximo os nomes dos programadores mantendo suas identidades e local de trabalho em segredo, publicamente eram chamados de “Blue Sky Rangers”. Eles também trataram de fazer acordos de licenciamento com as nascentes empresas que criavam os jogos mais incríveis e populares para a plataforma da Atari, como a Activision e a Imagic. Tudo ia perfeitamente bem, o ano de 1981 ia chegando ao fim e as vendas do Intellivision e seus jogos iam maravilhosamente bem, mas o famigerado “Keyboard Component” já passava pelo terceiro adiamento. O problema do teclado era que a equipe não conseguia baixar seu preço diante das especificações do produto. Em 1981 seu preço girava em torno de proibitivos US$ 700! No final o produto foi lançado para teste de mercado nas cidades de Seattle e New Orleans por ainda caros US$ 600. Consumidores que fizeram reclamações por escrito podiam adquirir o aparelho fazendo o pedido pelo correio. Os atrasos foram tão notórios que o comediante Jay Leno fez a melhor piada da festa de natal da Mattel em dezembro de 1981 com a frase: “Você sabe quais são as três grandes mentiras, não é? ‘O cheque está no correio’, ‘Ainda vou respeitá-lo pela manhã’ e ‘O teclado será vendido na primavera’”. O pessoal da Mattel riu muito da piada, mas os consumidores não acharam graça nenhuma. A coisa ficou tão séria que o número de reclamações levou a Federal Trade Commission (FTC) às portas da Mattel e começou uma investigação por fraude e propaganda enganosa. A FTC é uma entidade do governo dos Estados Unidos nos mesmos moldes do PROCON no Brasil, só que muito mais poderosa. O interessante nessa história é que a Bally fez exatamente a mesma coisa, mas, devido às baixas vendas do Astrocade, não gerou ruído suficiente para chamar a atenção da FTC, agora, o Intellivision já tinha vendido quase 2 milhões de unidades em 1981 e o barulho dos consumidores foi proporcionalmente maior. A Mattel alegou que o “Keyboard Component” já estava sendo vendido em fase de testes, mas não foi o suficiente para a FTC. No início de 1982 a FTC aplicou uma multa estimada em US$ 10 mil por mês até que o tal teclado estivesse em plena distribuição por todo o país. Para fugir das multas a Mattel cancelou oficialmente o “Keyboard Component” em agosto de 1982 e lançou mão de um produto que vinha sendo desenvolvido por outra equipe, o “Entertainment Computer System (ECS)”. O ECS não chegava nem perto do que o “Keyboard Component” era capaz, mas fazia, no mínimo, o que a Mattel prometerá aos consumidores, transformar o Intellivision em um computador, e era bem mais barato. Além de colocar o produto a disposição dos consumidores, no acordo fechado com a FTC a Mattel se comprometeu a recomprar todos os teclados já vendidos, bem como o cartucho da linguagem BASIC e os softwares em fitas cassete. Os consumidores que não aceitaram devolver o aparelho foram obrigados a assinar um termo de renúncia com o entendimento de que mais nenhum software seria produzido e isentando a Mattel de qualquer responsabilidade pela assistência técnica do equipamento e ainda foi obrigada a compensá-los no valor de US$ 1 mil em produtos da Mattel Electronics.

O controle do Intellivision, motivo de discórdia entre os que o odeiam e os que o amam até os dias de hoje. Foto Evan Amos. Reprodução Autorizada.

A empresa contratada para construir o “Keyboard Component” chegou a fabricar 4000 unidades. Acredita-se que umas 1500 unidades tenham chegado aos consumidores e disso pouquíssimas sobreviveram tornando-o um artigo extremamente raro. No fim, a Mattel ainda foi processada pela Compro Inc., que fabricou o famigerado periférico, em US$ 10 milhões por quebra de contrato, fraude e pagamento das últimas 1300 unidades produzidas.

Uma das poucas unidades do Keyboard Component que sobreviveram. Foto Daniel McConnell. Creative Commons.

E o ECS? Bom, apesar de lançado em 1982 só chegou às lojas para o natal de 1983. Só que o foco da Mattel Electronics já havia mudado. Josh Denham e Stav Prodomou, presidente da Mattel Electronics e vice-presidente sênior de operações, renunciaram logo após a CES de junho de 1983, acusados de fazer a Mattel perder milhões de dólares com seu enorme investimento em hardware. Além do Intellivision Master Componente haviam o malfadado Keyboard Component, o Intellivoice, o Intellivision II, o System Changer, o ECS, o computador Aquarius e seus periféricos, o Intellivision III e o ultrassecreto projeto do Intellivision IV. Josh foi substituído por Mack Morris, que voltou o foco da Mattel Electronics para produção de software, fazendo com que ECS recebesse pouco marketing e, meio que esquecido, poucos softwares fossem escritos para ele, sendo que softwares prontos nem chegaram a ser lançados com a derrocada da Mattel Electronics em 1984.

Na primavera de 1983 a Mattel apresentou o Intellivision II. Ele tinha um novo design e várias melhorias internas para reduzir componentes, tornar sua manutenção mais simples e os controles agora eram removíveis. Ele também vinha com uma porta de expansão, perto da entrada de cartuchos, para dar suporte ao System Changer, um componente que, conectado a porta de cartuchos, dava ao Intellivision o poder de rodar jogos do Atari 2600. O primeiro Intellivision também podia ter o equipamento conectado, mas precisava de uma alteração no hardware, que a Mattel oferecia como serviço, pago a parte, claro. O System Changer também foi lançado em 1983.

Intellivision II, que chegou as vésperas do Crash. Foto Evan Amos. Reprodução Autorizada.

Porém, consumidores que compraram o Intellivision II começaram a reclamar que alguns jogos, especificamente jogos feitos por terceiros como a Coleco e a Activision, não funcionavam no novo console. O mistério perdurou durante algum tempo até mesmo entre a equipe de programadores da própria Mattel, já que jogos em desenvolvimento não funcionavam no novo console. Pressionada a Mattel abriu o jogo, somente para a equipe interna, de que uma alteração foi feita para que jogos feitos por concorrentes não funcionassem no Intellivision II. Claro que o segredo durou pouco e não levou muito tempo até que o bloqueio fosse contornado. Houve problemas até com jogos desenvolvidos pela própria Mattel, já que ninguém se dera ao trabalho de perguntar para a equipe de desenvolvimento os efeitos da alteração.

A Mattel também lançou, em 1982, o Intellivoice que dava ao Intellivision o poder de sintetizar vozes, desde que o jogo fosse programado para isso. Os consumidores adoraram a ideia de voz nos jogos, mas odiaram ter que pagar quase o preço de um console novo pelo equipamento, fazendo com que as vendas do Intellivoice nunca decolassem. O aparelho teve apenas 4 jogos lançados e um quinto jogo cancelado. Um fiasco comercial.

Intellivoice só funcionava com alguns poucos jogos. Foto Evan Amos. Reprodução Autorizada.

Apesar dos problemas com seus periféricos mirabolantes, as vendas do Intellivision iam muito bem. A Mattel detinha 20% do mercado de videogames nos Estado Unidos em 1982, brigando bravamente contra o Atari 2600. A Imagic e a Activision estavam lançando versões de seus maiores sucessos no Atari para o Intellivision e 1982 foi ano de muitas comemorações no mercado de videogames norte-americano com a Mattel contratando e investindo no desenvolvimento de jogos para seu console. O Intellivision III já estava praticamente pronto e fora construído para ter gráficos iguais ou melhores ao do concorrente recém chegado, o Colecovision, que havia desbancado o Intellivision na questão gráficos e fez todo o marketing da Mattel sobre as capacidades gráficas do seu console virarem poeira. O Intellivision III também seria retro compatível com seu antecessor, o que daria muita munição para o marketing.

Na CES de junho de 1982 a Mattel teve conversas privadas com os maiores compradores de brinquedos dos Estado Unidos falando sobre o futuro do seu console. Na CES de janeiro de 1983, a Mattel mostrou o Intellivision III para esses varejistas. Entretanto, devido a atrasos no projeto, o que os varejistas viram foi o hardware do Intellivision III dentro de uma carcaça de Intellivision I. Isso não causou boa impressão neles, que queriam ver o protótipo final e acharam o novo console pouco atrativo para concorrer com o Colecovision, agora já com um ano de mercado, sem falar que eles achavam que já havia muito hardware disponível. Também não havia nenhum software especifico em desenvolvimento para o Intellivision III, somente os softwares usados na demonstração, Treasure of the Yucatan e Grid Shock. Bem, disponíveis é uma palavra forte nesse caso. Treasure of the Yucatan não passava de uma imagem com detalhes bem complexos para a época com a figura de um ídolo de pedra coberto por vinhas em uma selva e Grid Shock era uma parte inicial de um jogo em desenvolvimento e que dava uma sensação de 3D, mas que foi abandonado pouco tempo depois. Com a renúncia do presidente da Mattel Electronics e do vice-presidente sênior de operações eles cancelaram definitivamente o desenvolvimento do Intellivision III para se concentrar no seu futuro, o Intellivision IV.

O projeto do Intellivision IV começou em meados de 1982 e ia muito além do hardware do Intellivision III, que a engenharia da Mattel Electronics considerava um tapa buraco. Ele se baseava no processador Motorola MC68000, uma CPU que seria usada posteriormente nos primeiros Macintoshes, no Amiga e no Sega Mega Drive. O vídeo era controlado por um chip personalizado chamado Magic. Era uma máquina totalmente nova, com capacidade gráfica muitas vezes superior a qualquer videogame existente. Muitas pessoas consideravam o Intellivision IV o projeto que salvaria a Mattel Electronics, mas a esperança não durou muito.

Apesar de 1982 ter sido um ano fantástico, em 1983 as coisas arrefeceram. O mercado de videogames norte-americano começou a retrair de maneira significativa e as perdas da Mattel Electronics começaram a se tornar expressivas. Em uma tentativa de fechar as contas, o novo presidente, Mack Morris, começou uma mudança no modelo de negócio com foco em software em vez de hardware. Em agosto de 1983 a maioria do pessoal envolvido com o desenvolvimento de hardware foi demitida, incluindo a equipe que desenvolvia o Intellivision IV, matando o projeto definitivamente. Em seu auge a Mattel Electronics chegou a ter 1800 colaboradores.

Reduções de preços no console e periféricos pouco ajudaram nas vendas e em outubro de 1983 as perdas da Mattel Electronics já somavam US$ 280 milhões! Um terço da equipe de programadores foi demitida nesse mesmo mês, outro terço em novembro e o restante da equipe foi desligada em janeiro de 1984. Tentando se livrar do problema e diminuir um pouco as perdas a Mattel Inc. vendeu a Mattel Electronics, em um pacote fechado de estoque e o que mais fizesse parte, em fevereiro de 1984 para o ex vice-presidente sênior de marketing da Mattel Electronics, Terrence Valeski, que conseguiu um grupo de investidores para formar uma nova empresa, a Intellivision Inc.. Mais tarde Valeski comprou a parte dos outros investidores e formou a INTV Corporation que continuou vendendo consoles Intellivision, jogos e, também, criando novos jogos.

No Brasil o console Intellivision chegou oficialmente pelas mãos da empresa Sharp em novembro de 1983, concorrendo com Philips Odyssey, o Atari 2600 da Polyvox e uma avalanche de clones do console da  Atari. O videogame era montado no polo industrial de Manaus e começou a ser vendido em dezembro de 1983 por uma subsidiária da Sharp chamada Digimed, que mudou de nome no ano seguinte para Digiplay, e fabricou consoles e cartuchos até 1985. Mesmo sob o guarda-chuva da Sharp era difícil encontrar um Intellivision nas lojas. O Odyssey, o Atari e seus clones estavam em todas as lojas de departamentos na época, mas não o Intellivision. Isso transparecia com o que se encontrava nas casas de amigos e conhecidos, sendo muito mais fácil achar consoles Odyssey e Atari do que um Intellivision. Minha experiência com o Intellivision, inclusive, foi bem pequena, quando tive a oportunidade de jogar na casa de um conhecido umas duas vezes. Algo que me chamou muito a atenção foi controle com aquele disco estranho. Na questão gráfica, achei muito parecido com o Atari 2600, me dando a impressão de ser mais um dos muitos modelos desse console existentes por aqui, só que com um cartucho diferente. Depois disso nunca mais tive contato com ninguém que tenha tido um console desses. Apesar de ser muito bem construído, o modelo nacional era bem mais caro que seus concorrentes diretos, limitando ainda mais a sua disseminação entre o público brasileiro.

No Japão o Intellivision foi distribuído, com pouco sucesso, pela Bandai que abandonou seu sistema proprietário em detrimento do console da Mattel. A Bandai também distribuiu outros consoles de diferentes marcas como o Emerson Arcadia e o Vectrex, todos com baixas vendas no Japão, tornando-os extremamente raros por lá. Na Europa, a Mattel tinha seu próprio escritório e fazia a distribuição do Intellivision com um relativo sucesso no velho continente, mas sofreu grande concorrência de microcomputadores como o TK-85 e de consoles locais, além de seus já conhecidos concorrentes nos Estados Unidos.

O Intellivision acabou sobrevivendo ao crash dos videogames graças à INTV, que o produziu até fechar, no ano de 1990. A Mattel, por sua vez, ficou tão ressabiada que só tentou uma nova investida no mercado de videogames, sem sucesso diga-se, em 2006. O Intellivision, por outro lado, continua por aí. Em 2018 antigos programadores, que faziam parte dos Blue Sky Rangers e que vinham lançando coletâneas de jogos para outros consoles se associaram à Tommy Tallarico e formaram a Intellivision Entertainment para lançar um novo console chamado Intellivision Amico em 2020, o que acabou nunca acontecendo, com o Amico virando mais um vaporware. Mas enquanto houver essa comunidade de nostálgicos o Intellivision jamais será esquecido.

Resumo

Nome Oficial:

Intellivision

Fabricante:

Mattel Electronics até 1984

INTV Corporation a partir de 1984

Data de Lançamento:

Outubro de 1979

Descontinuado:

Regiões de Lançamento:

Jogos Lançados Oficialmente:

Preço no Lançamento:

Preço Atualizado 2025:

Unidades Vendidas Oficialmente:

1990

América do Norte, Europa, Japão, Austrália e Brasil

aproximadamente 125 Jogos

US$ 275

US$ 1084

Mais de 3 milhões

Ficha Técnica

CPU:

Velocidade da CPU:

Memória:

General Instrument CP1610 de 16 bits

894.886 kHz

1456 bytes de RAM

Vídeo:

General Instruments AY-3-8900-1 chamado de STIC (Standard Television Interface Chip ou Chip de interface de televisão padrão)

Resolução de Tela:

160×96 e 160×192

Cores:

16 cores

Áudio:

General Instrument AY-3-8914 com 3 canais de som e gerador de ruído

Controles:

2 controles com um disco de direção no lugar de joystick, um teclado com 12 dígitos, 4 botões de ação, conectados por cabo e fixos ao console

Mídia dos Jogos:

Cartucho com ROM de 4 KB até 16 KB

Saída de Vídeo:

Sinal de vídeo RF modulado