A história de como a RCA se envolveu com o iniciante mercado de videogames é pouco documentada, mas, procurando bastante, é possível coletar fragmentos e contar uma trajetória que se confunde com dois consoles pioneiros criados, a Brown Box e o RAVEN, com criação do primeiro microprocessador lançado pela RCA e que veio a resultar no RCA Studio II que, por pouco, não foi a primeiro videogame com cartuchos do mercado.
Segundo Ralph Baer, em seu livro “Videogames in the Beginning”, em janeiro de 1969 a RCA foi abordada pela Sanders Associates, sendo a primeira que assistiu a demonstração formal do protótipo Brown Box. Eles ficaram bastante interessados, mas, no final o acordo fracassou e a RCA deixou passar a primeira chance de entrar no ainda inexistente mercado de videogames domésticos.
Paralelo a isso um engenheiro da RCA, Joseph Weisbecker, vinha tentando convencer a RCA a entrar no mercado de computadores pessoais, em uma época em que computadores pessoais nem mesmo existiam. Era 1969 e a RCA estava investindo no mercado de grandes computadores e não via muita razão para investir em um mercado que ninguém havia sequer tentado explorar. O único meio que Weisbecker tinha para convencer a direção da RCA era demonstrar um protótipo funcional, que ele não tinha. Ele usou seu tempo livre para construir o protótipo do computador usando componentes CI de transistores lógicos, os Transistor-Transistor logic ou, simplesmente, TTL, comprados na RadioShack e em outras lojas da região. Usando esses componentes, Weisbecker construiu a unidade de processamento do computador e usou pedaços de prateleiras para fazer a caixa, batizando-o de FRED, acrônimo de Flexible Recreation and Educational Device ou, em tradução livre, Dispositivo Educacional de Recreação Flexível. Pronto, o dispositivo contava com 100 chips espalhados por suas diversas placas internas. Agora ele precisava apresentá-lo para a diretoria da RCA, só que precisava da abordagem correta. Era outubro de 1971.
Um colega de Weisbecker, o engenheiro Jerry Herzog, achou a ideia interessante e decidiu ajudá-lo. Eles concordaram que a melhor maneira de convencer a RCA a investir no projeto era transformar o amontoado de chips, fios e placas que davam vida ao FRED em um microprocessador, uma tecnologia emergente nessa época. O FRED foi então renomeado para System 00. Ao ficar ciente do trabalho de Weisbecker e Herzog, a RCA os convidou para continuar suas pesquisas em outra divisão: a Solid State Division.
Paralelamente ao seu trabalho na nova divisão, Weisbecker continuou trabalhando no FRED por conta própria e adicionando novos recursos como a adição de um teclado, um gerador de caracteres e em 1972 um gravador de fitas cassete foi incorporado ao sistema, permitindo ler e gravar programas. A filha de Weisbecker, Joyce Weisbecker, se interessou tanto pelo computador criado pelo pai que aprendeu a programá-lo, escrevendo vários programas para ele, inclusive diversos jogos.
Liderado por Herzog, os primeiros microprocessadores chamados de COSMAC (Complementary Symmetry Monolithic Array Computer), foram apresentados em 1974: o CDP1801R e o CDP1801U. Poucos meses depois, os dois chips foram combinados em um único modelo: o CDP1802 que teve a maior produção e ficou conhecido como RCA 1802.
Com o novo chip pronto, Weisbecker, que sempre sonhou em produzir um computador doméstico, criou a versão final de seu protótipo, chamado FRED 2 e o apresentou para a RCA que se mostrou reticente em construir o computador. Assim, Weisbecker tentou outra tática, a ideia da RCA construir seu próprio console de videogame doméstico programável, mas a administração da RCA se mostrou pouco receptiva a isso também. Nessa época, o jogo Pong tornou-se uma febre sem precedentes e, provavelmente, foi o que levou a RCA a desenvolver um protótipo de máquinas de jogos arcade baseadas na arquitetura do FRED 2 e operadas por moedas em 1975. Essas máquinas usavam jogos intercambiáveis e foram as primeiras máquinas de arcade a usar microprocessadores.
Nesse ponto a história fica mais interessante. Note que as máquinas arcades da RCA já usavam o conceito de troca de jogos. Não há documentos falando exatamente como isso era feito, mas sabe-se que era um conceito primitivo de troca de ROMs. Só que em janeiro de 1975 a RCA foi uma das empresas contactadas pela Alpex e para qual foi apresentado o seu protótipo de videogame, o RAVEN, que tinha como principal tecnologia o uso de um microprocessador e a possibilidade de mudar os jogos através dos hoje famosos cartuchos que continham o código do jogo. De fato não há nenhum comentário sobre isso entre os personagens da época, mas tudo indica que alguns conceitos do RAVEN foram inspiradores.
A RCA não se interessou pelo protótipo da Alpex – pelo menos é o que ficou para a história – deixando passar a segunda chance de entrar no mercado de videogames com uma grande inovação. Os tais arcades da RCA foram um total fiasco e não passaram da fase de testes. Mas eles tinham a tecnologia e as pessoas certas. As discussões se arrastaram por todo o ano de 1975 com a RCA decidindo pelo lançamento de dois produtos baseados na tecnologia usada no computador FRED 2: um kit de computador chamado de COSMAC VIP e um console de videogame. O primeiro protótipo do console de videogame ficou pronto já em 1976 e era chamado de Videomate, embora seja uma informação conflitante já que esse protótipo também era conhecido internamente como RCA Studio e rodou pelas casas dos executivos e gerentes da empresa, sendo esse o motivo que levou a versão final ser batizada de RCA Studio II. Esse videogame usava, além do novíssimo microprocessador RCA COSMAC 1802, cartuchos para intercambiar os jogos. Não dá realmente para afirmar se o modelo de troca de jogos foi ou não, inspirado pelo conceito mostrado no RAVEN, mas é interessante notar que o modelo de cartucho adotado pela RCA era bem parecido com os descritos para o protótipo da Alpex.

O Studio II estava programado para lançamento no natal de 1976, portanto havia a possibilidade real dele ser lançado antes do Fairchild Channel F e com um detalhe a mais: o videogame da RCA viria com 5 jogos embutidos em uma ROM no próprio console. Só que devido a problemas de aprovação do console pela FCC e por situações internas da própria RCA o console só chegou às lojas em janeiro de 1977. Em entrevista para o site fastcompany.com, em um maravilhoso artigo em que Benji Edwards resgata a história de uma das primeiras programadoras de jogos de videogame, Joyce Weisbecker, filha de Joseph e que acompanhou toda essa história em primeira mão, relatou: “Eles (a RCA) se arrastaram por quase um ano para decidir se queriam fazer o videogame em casa. E então levaram mais um ano para realmente lançar o console. Isso contando com a certificação da FCC.”.
O fato é que o RCA Studio II nasceu fadado ao fracasso. Claramente inspirado nos consoles de Pong existentes na época, só mostrava imagens em preto e branco, não emitia nada além de bipes ou variações desse som, tinha os controles embutidos no próprio console e que pareciam mais um teclado de telefone. Só que o Studio II tinha a possibilidade de trocar os jogos via cartuchos. Joyce diz que a RCA tinha tudo praticamente pronto desde 1975, incluindo os jogos, vários dos quais programados por ela. “Acho que fico um pouco amarga com isso”, diz Joyce, “Ele poderia ter sido o primeiro.”, complementa. Joyce não está errada. Se o Studio II tivesse sido lançado no final de 1975 ou início de 1976 ele teria como concorrente o Magnavox Odyssey, já em decadência, e os inúmeros consoles de Pong que pipocavam sem parar, mas não tinham a tecnologia de cartuchos do console da RCA. Mas o destino é inexorável e todos os atrasos permitiram que o Fairchild Channel F chegasse primeiro ao mercado tornando-se o primeiro console de videogame a utilizar o inovador conceito de jogos programados e que vinham acondicionados em cartuchos, deixando que o jogador trocasse de jogo quando desejasse.

Consta que a RCA estava ciente das deficiências de seu console e tinha a clara intenção de resolver isso em uma nova versão que se chamaria RCA Studio III. Tanto que logo após o lançamento do Studio II a equipe de desenvolvimento já trabalhava no novo console. Mas não houve segunda chance. As vendas do Studio II nunca decolaram e em 1977 o lançamento do Atari VCS selou o destino do aparelho, que se tornou absurdamente obsoleto do dia para a noite frente a crescente concorrência.

Segundo um antigo gerente da fábrica da RCA, pouco mais de 60 mil unidades do console e pouco mais de 150 mil cartuchos foram produzidos nos 9 meses que a linha de produção funcionou em Swannanoa, Carolina do Norte e que contava com 125 mulheres que faziam a montagem. Ele conta que unidades ficavam empilhadas no estoque que nunca era vendido em grande velocidade e, que após 6 ou 8 meses foram disponibilizados para compra pelos funcionários, com um bom desconto. No final, a RCA fez um inventário do que estava no estoque e vendeu tudo para a RadioShack por US$ 0,10 a unidade, fechou a fábrica e acabou vendendo as instalações para a própria RadioShack posteriormente.
Quanto ao desenvolvimento do Studio III, que tinha cores e som melhorado, a RCA descontinuou seu desenvolvimento, apesar de estar praticamente finalizado e com um protótipo totalmente funcional pronto. Dois jogos para o Studio III chegaram a ser finalizados, mas acabaram sendo lançados para o Studio II, já que os consoles eram totalmente compatíveis: Biorhythm e Math Fun. Com muito dinheiro investido no desenvolvimento de sua linha de videogames a RCA acabou achando uma saída para recuperar parte dos prejuízos. Nos Estados Unidos o Pong estava chegando ao final de seu ciclo, entretanto, no restante do mundo ele ainda reinava. A RCA, então, licenciou a tecnologia do Studio III para diversos outros fabricantes, causando o aparecimento de diversos clones desse console na Europa e Ásia e que venderam até que relativamente bem. Não há notícias do Studio II ou III no Brasil.
Os números divergem bastante, mas acredita-se que menos de 64 mil unidades do RCA Studio II tenham sido fabricadas e menos ainda vendidas. A quantidade de cartuchos ninguém se arrisca a um palpite, mas não deve ter passado das 150 mil unidades produzidas. Um final melancólico para um console de videogame que teve tudo para entrar para a história, mas, por ineficiência corporativa, perdeu a chance.
Resumo
Nome Oficial:
Fabricante:
Data de Lançamento:
Descontinuado:
Regiões de Lançamento:
Jogos Lançados Oficialmente:
Preço no Lançamento:
Preço Atualizado 2025:
Unidades Vendidas Oficialmente:
RCA Studio II Home TV Programmer
RCA
Janeiro de 1977
1979
Estados Unidos, Japão, França e Austrália
16 Jogos
US$ 149
US$ 965
Aproximadamente 60 mil
Ficha Técnica
CPU:
Velocidade da CPU:
Memória RAM:
Vídeo:
Resolução de Tela:
Cores:
Áudio:
RCA COSMAC 1802 de 8 bits
1,78 MHz
512 B
CDP 1861 Video Display chipset
128×64, 64×64 e 64×128
Preto e Branco
Canal simples que emitia ruídos com alto-falante interno
Controles:
2 teclados numéricos fixos ao console
Mídia dos Jogos:
Saída de Vídeo:
Cartucho com ROM de até 2,5 KB
Sinal de vídeo RF modulado
