12 de dezembro de 2025

1950 – Bertie, The Brain

No final da década de 1940 a empresa Rogers Majestic tinha em mãos um novo componente eletrônico chamado Tubo Additron. Esse componente era basicamente uma válvula termiônica como tantas outras já bastante usadas em circuitos eletrônicos, só que era expressivamente menor que os de seus concorrentes. O Tubo Additron foi criado pelo Dr. Josef Kates, que trabalhava na Rogers Majestic projetando telas CRT para radares durante a segunda guerra mundial. Ao final da guerra e ainda como funcionário da Rogers, Kates foi para o Canadá onde se pós-graduou pelo Centro de Computação da Universidade de Toronto. Durante seu tempo na universidade ele ajudou a construir o “Computador Eletrônico da Universidade de Toronto – UTEC”, que foi um dos primeiros computadores em funcionamento no mundo pós-guerra. Foi nessa época que ele, também, projetou o Tubo Additron.

Agora a Rogers Majestic tinha o componente, mas não tinha compradores. Afinal, porque alguém pagaria mais por algo que já existia e por um preço menor? A Rogers, então, pressionou Kates a criar um dispositivo em que pudessem mostrar o potencial dos Tubos Additron a possíveis compradores.

Sabendo da Exposição Nacional do Canadá, que ocorreria de agosto a setembro de 1950, Kates projetou um computador especializado em fazer uma única coisa. Não, não era mais um jogo de Nim. O computador de Kates era especialista em Jogo da Velha ou Tic-Tac-Toe, como é conhecido nos países de origem inglesa. Kates e os engenheiros da Rogers construíram o computador no edifício de engenharia da exposição. Toda a eletrônica do computador era baseada em, obviamente, tubos additron. Ao final da montagem o computador media mais de 4 metros de altura!

Batizado de “Bertie, The Brain” o seguinte subtítulo foi adicionado ao computador: “The Electronic Wonder by Rogers Majestic” ou “A Maravilha Eletrônica da Rogers Majestic”. Foi um sucesso! Durante as semanas de exposição, o público aguardava sua vez de jogar com Bertie em imensas filas. Kates ficou junto ao computador todo o tempo possível, fazendo ajustes na dificuldade de acordo com o jogador: mais fácil para as crianças e mais difícil para adultos. O comediante Danny Kaye, muito famoso na época pelos filmes “O Garoto do Broklyn” e “A Vida Secreta de Walter Mitty”, assumiu Bertie para jogar, vencendo após algumas tentativas e a dificuldade ser diminuída. Um fotografo da revista LIFE eternizou o momento em que Kayes venceu e o computador declarava vitória para o “Cérebro Humano”. O gigantesco computador não utilizava nenhum monitor de vídeo e o andamento do jogo era mostrado em um painel de lâmpadas que acendiam mostrando “O” ou “X” de acordo com a jogada efetuada. O jogador informava sua jogada pressionando um dos botões iluminados a sua frente ao que Bertie rebatia a jogada imediatamente e ficava aguardando a próxima jogada do oponente humano.

Bertie, The Brain na Exposição Nacional do Canadá

De uma perspectiva moderna, “Bertie, The Brain”, não parece muito divertido, entretanto, em 1950, foi um marco notável no desenvolvimento dos computadores eletrônicos que ainda estavam em um estágio inicial de evolução.

Trabalho com Tecnologia da Informação há mais de 30 anos, dos quais passei boa parte da década de 1990 em uma universidade cursando Ciência da Computação, onde tive a oportunidade de estudar sobre a evolução dos computadores e as várias teorias computacionais existentes, sendo várias delas anteriores aos computadores digitais. Mas porque só conheci a história de Bertie quando pesquisava para esse texto?

A resposta para essa questão é um tanto trivial. Ao final da exposição, Bertie foi desmontado e houve muitos problemas com as patentes do Tubo Additron que impediram seu registro fora do Canadá até 1955, fazendo com que sua patente só fosse aceita nos EUA em 1957. Infelizmente esse tempo perdido tornou o tubo additron obsoleto já que um novo e revolucionário componente surgiu tomando espaço das válvulas termiônicas: era o transistor de estado sólido, um componente absurdamente menor que uma válvula ou o tubo additron, além de funcionar imediatamente ao ser energizado, dispensando o tempo necessário para o aquecimento. Por outro lado, segundo o próprio Kates, ele estava trabalhando em tantos outros projetos que não teve tempo nem energia para cuidar da preservação de Bertie. Assim, apesar de muito divulgado na época em que a LIFE Magazine publicou um grande artigo sobre o computador, Bertie acabou sendo esquecido por muito tempo só voltando a aparecer em um artigo do Jornal Ottawa Citizen de 8 de outubro de 1975, escrito por Marlene Simmons. Posteriormente, foi citado na monografia escrita por John Vardalas e chamada de “The Computer Revolution in Canada: Building National Technological Competence” que destina um parágrafo sobre Bertie. Também houve o post do site SpacingToronto de 13 de agosto de 2014, “Meet Bertie the Brain, the world´s first arcade game, built in Toronto”, escrito por Chris Bateman e que discorre sobre a história de Bertie, trazendo o assunto dos primeiros jogos de computador à tona novamente. Bertie foi construído apenas três anos após a invenção do “Dispositivo de Diversão com Tubo de Raios Catódicos”. Outros jogos não visuais foram desenvolvidos para computadores de pesquisa como o de Alan Turing e, também, o primeiro programa para jogar xadrez criado por Dietrich Prinz para um computador Ferranti Mark 1 da Universidade de Manchester.

Danny Kaye, vencendo o computador que teve sua configuração de dificuldade alterada para o modo fácil. Direitos da foto:Revista Life.